Acabei de ouvir um podcast internacional com grande audiência em que o tema abordado foi “What drives the movement of Earth's continents?”. Ou seja, "O que causa o movimento dos continentes?".
Tirando algumas (muitas) imprecisões normais em comunicação da ciência, os anfitriões explicaram relativamente bem que o movimento das placas está relacionado com o seu afundamento no manto. O que me fez mais confusão foi o uso do termo “continental plates” como sinónimo de “tectonic plates”, ou seja, a expressão "placas continentais". Já encontrei este termo várias vezes e ilustra bem alguma confusão que há entre a hipótese da Deriva Continental e a Teoria da Tectónica de Placas. A hipótese da Deriva Continental resultou da constatação de que os continentes se tinham movido milhares de quilómetros. Apesar de não se compreender qual o mecanismo capaz de gerar tal movimento, Alfred Wegener coligiu um conjunto de evidências que sustentavam fortemente esta hipótese. No entanto, é preciso não esquecer que na Deriva Continental apenas os continentes se moviam. Não se sabia o que se passava nos oceanos e ainda não havia a noção de placa (nem de fronteiras de placas). Faltava também um mecanismo capaz de fazer mover os continentais. Wegener chegou a propor que este poderia estar relacionado com a rotação da Terra, algo que nunca foi verdadeiramente considerado. Foi apenas anos mais tarde, em 1931, que Arthur Holmes especulou acerca da existência de correntes de convecção no interior da Terra que deformariam a crusta sobrejacente, levando os continentes a moverem-se. Porém, estas correntes não ascenderiam à superfície. A hipótese do alastramento oceânico só viria a ganhar forma 30 anos mais tarde. É verdade que a Deriva Continental foi uma revolução. A ideia de que a superfície do planeta se tinha movido milhares de quilómetros era uma ideia radical e profundamente contraintuitiva. Há várias razões para ter havido uma grande resistência a esta ideia, mas a principal talvez tenha sido o facto ser difícil compreender como é rocha sólida é capaz de fluir. Ideia que ainda faz confusão a muita gente. Por exemplo, no podcast, é dito várias vezes que o manto é constituído por magma líquido. Mas depois também dizem que o manto está no estado sólido, o que causa uma enorme confusão. Isto revela as limitações que temos em compreender a Teoria de Tectónica de Placas, que é uma teoria física e que implica ter algumas noções de física e de química. É por isso que não faz muito sentido tentar explicar a Teoria da Tectónica de Placas a alunos do 7º Ano, pois eles ficam com a ideia que isto é uma teoria descritiva, sem conseguirem perceber verdadeiramente os mecanismos e o processos (fisico-químicos). Mas isto ficará para uma outra publicação. Vamos voltar ao nosso tema. A Deriva Continental foi de facto uma revolução que implicou rever todas as nossas ideias acerca de como a Terra funciona, e ao fazê-lo abriu caminho para a revolução seguinte, a Tectónica de Placas. Mas a Tectónica de Placas é todo um outro mundo. De acordo com a Teoria da Tectónica de Placas a superfície da Terra está (toda!) dividida em grandes placas que se movem umas em relação às outras. E é aqui que começam as diferenças. As placas são constituídas maioritariamente por manto. A crusta, em especial nos oceanos, é uma camada muito fina que é arrastada passivamente pelo manto litosférico. Outra diferença fundamental é que os limites das placas não correspondem aos limites dos continentes, e cada placa tem, geralmente, uma parte oceânica e uma parte continental. É, portanto, errado, dizer que a Deriva Continental foi o início da Teoria da Tectónica de Placas. A Teoria da Tectónica de Placas foi uma segunda revolução que implicou voltar a mudar de paradigma, incluindo abandonar os mecanismos propostos no contexto da Deriva Continental. Na prática, a única coisa que ficou da Deriva Continental, na sua forma inicial, foi a constatação de que os continentes se moviam e as evidências que o suportavam, pouco mais. É por isso preciso ter muito cuidado e não transportar diretamente os mecanismos propostos para explicar a Deriva Continental para o contexto da Teoria da Tectónica de Placas. Mas é precisamente isso que se faz (erradamente) quando se afirma que o principal motor da tectónica de placas são as correntes de convecção do manto. Ora, como vimos, as correntes convecção foram propostas por Holmes em 1931 para explicar a Deriva Continental, e nunca foram, pelo menos de forma convincente, propostas para explicar a Tectónica de Placas. Quando Henry Hess e Tuzo Wilson, no início dos anos 60, abordaram o tema das correntes de convecção, ainda o fizeram no contexto da hipótese da Deriva Continental. Mas assim que Wilson percebeu que a superfície da Terra estava dividida em placas, na segunda metade dos anos 60, nasceu um novo paradigma e foi preciso rever tudo o que se sabia. Logo no início da década seguinte se percebeu que as correntes de convecção não seriam capazes de arrastar as placas, mas que estas se moviam como consequência do seu afundamento ao longo das zonas de subducção. Afundamento este que resultava do arrefecimento e consequente aumento de peso dos segmentos oceânicos das placas (ver, por exemplo, os trabalhos de Elsasser, Jacoby e Forsyth and Uyeda). Conclusão. Não faz sentido falar em placas no contexto da Deriva Continental. Deve-se falar apenas em continentes. E no contexto da Teoria da Tectónica de Placas, não faz sentido falar em placas continentais (como sinónimo de placas). Isto baralha a Deriva Continental com a Tectónica de Placas, com as implicações que tenho discutido aqui. Uma última nota. Não quero com isto diminuir o papel absolutamente crucial que as ideias de Wegener tiveram para o que viria a ser a Teoria da Tectónica de Placas. No entanto, o conceito de placa só surge, proposto por Wilson, muitos anos após a morte de Wegener. Dizer que Wegener contribuiu para a Tectónica de Placas é o mesmo que dizer que Newton contribuiu para a teoria da relatividade geral de Einstein. Voltarei a estes temas em breve na rubrica “Uma Perspectiva da Terra”. #geologia #tectónica Imagem: Clay Banks, via Unsplash
0 Comments
Leave a Reply. |