Uma vez senti um sismo. Era de manhã. Não percebi o que era. Senti uma tontura e ouvi um ruído. Parecia um camião a passar, mas não havia estrada lá fora. Um dos meus sobrinhos saiu do quarto a gritar. Sismo! Tio, foi um sismo! Só aí me apercebi que tinha acabado de sentir a vibração de um sismo. Não foi muito grande. Vi depois no site do IPMA que tinha tido uma magnitude um pouco acima de 3, mas a sensação deve ter sido forte por estar mesmo em cima da sua fonte. Nesse momento pensei: como será sentir um sismo de magnitude 7, ou 8, ou mesmo 9 se estiver muito perto da sua fonte? Quão maiores serão em relação ao sismo que senti? Quão maior será um sismo de magnitude 7 em relação a um sismo de magnitude 3? Antes de lá irmos, precisamos de relembrar como medimos os sismos. Há duas formas. A primeira, é através da escala de intensidade. A intensidade é uma medida qualitativa da severidade do movimento do solo, que é avaliada através dos efeitos que o sismo tem sobre as pessoas, animais e construções. A escala de intensidade que hoje utilizamos é a Escala Macrossísmica Europeia (ver comentário). A intensidade tem, geralmente, valores mais elevado junto à falha que o gera, e diminui à medida que nos afastamos dela*. Ou seja, um sismo não tem uma intensidade definida. Esta varia em função da distância à falha que o gerou. Por exemplo, um sismo pode ter uma intensidade V junto à falha, uma intensidade IV a 100 km da falha, intensidade III a 200 km da falha, e por aí em diante. O sismo de 1755, por exemplo, teve uma intensidade IX em Lisboa, e V em Madrid (ver comentário). A segunda forma de medir um sismo é quantificar a energia mecânica libertada quando uma falha rompe. Isto é feito através do registo completo das ondas registadas pelos sismómetros. Os resultados são dados na Escala de Magnitude de Momento (ver comentário). A magnitude de momento é um número adimensional (com valores semelhantes aos da antiga Escala de Richter), mas o seu cálculo baseia-se no momento sísmico que é dado em joules (unidades usadas para medir a energia mecânica). Ok, parece que temos o que precisamos. Uma forma (objetiva) de quantificar um sismo. Vamos então a umas contas simples. Um sismo de magnitude 1 liberta cerca de 2000000 joules de energia. Um joule é equivalente à energia libertada quando deixamos cair uma lata de refrigerante no chão duma altura de 30 centímetros. Portanto, um sismo de magnitude 1 equivale a deixar cair 2 milhões de latas em simultâneo. Dois milhões de latas dariam para fazer um torre com 240 quilómetros (30 montes Everest). Ora, convém lembrar que a escala de magnitude é logarítmica. Cada vez que subimos uma unidade temos de multiplicar a energia libertada por 30. Assim, um sismo de magnitude 2 tem uma energia igual a 2000000 x 30, isto é, 63000000 joules. Ok, o valor triplicou e aumentou um zero. Não parece muito. O problema é que, como em qualquer escala logarítmica, os valores aumentam cada vez mais rápido. Vamos a isso. Então quão maior é um sismo de magnitude 7 em relação a um sismo de magnitude 1? O cálculo aproximado é o seguinte: 2000000 x 30 x 30 x 30 x 30 x 30 x 30 = 1450000000000000 joules E quão maior é um sismo de magnitude 9 em relação a um sismo de magnitude 1? É simples: 2000000 x 30 x 30 x 30 x 30 x 30 x 30 x 30 x 30 = 1312200000000000000 joules! O seja, um sismo de magnitude 9 liberta cerca de 1000000000000 mais energia que um sismo de magnitude 1. Só por curiosidade, esta energia é equivalente a deixar cair uma pilha de latas mais alta que o limite do sistema solar. E se compararmos o sismo que senti, de magnitude 3, com um sismo de magnitude 9? O resultado diz-nos que um sismo de magnitude 9 liberta cerca de 1000000000 mais energia que o sismo que senti! É bué! Difícil de imaginar... Se quiserem brincar um pouco com estes números, podem usar esta ferramenta: https://earthquake.usgs.gov/education/calculator.php Duas últimas notas. 1) A escala de momento de magnitude é uma escala aberta. O maior sismo alguma vez registado teve uma magnitude de 9,5. Ocorreu no Chile, em 1960. Mas poderão haver sismos maiores. Por exemplo, um impacto meteorítico pode gerar sismos com magnitude 10, ou mesmo superior. 2) Uma nota importante. A energia libertada por sismos pequenos, de magnitude 3, como os sismos que ocorrem quase todos os meses em Portugal, é insignificante quando comparada com a energia libertada pelos sismos muito grandes, como o de 1755. É por isso que não faz sentido dizer que os sismos pequenos são bons porque ajudam a libertar energia e evitam a ocorrência de um sismo grande. É como dizer que o copo de água fica significativamente mais vazio quando lhe tiro dois átomos de água. PS: Os cálculos são aproximados. Se apanharem algum gato avisem. *Esta regra nem sempre é cumprida, pois há regiões que devido a efeitos locais (como a liquefação dos solos) podem experenciar intensidades elevadas mesmo estando longe da falha. Por outro lado, se não houver pessoas nem construções (como num deserto) a medição da intensidade perde o sentido. Uma forma de medir os efeitos dos sismos com maior precisão é através de acelerómetros que medem diretamente o movimento e a aceleração do solo. Agradeço ao Nuno Afonso Dias e ao Luis Matias pelo feeback valioso que me deram e que serviu para melhorar consideravelmente o texto. Para mais informações, ver o site Sismologia na Escola: https://idl.ciencias.ulisboa.pt/sismologia-na-escola Fonte da Imagem: LoggaWiggler from Pixabay https://pixabay.com/photos/convento-do-carmo-former-monastery-211097/
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