Adenda ao Post anterior intitulado “Quão grande é um sismo?” Os meus colegas sismólogos Luis Matias e Nuno Afonso Dias alertaram-me para alguns pontos que merecem um pouco mais de detalhe. Agradeço desde já aos dois pela atenção. O termo “sismo” é por vezes utilizado de duas formas distintas, o que pode causar alguma confusão. O interessante é que estas duas formas relacionam-se com os dois modos como medimos os “sismos”. Nunca tinha pensado nisto desta forma, por isso vou pensar aqui com vocês. Vamos a isso. Tecnicamente um sismo é o processo que ocorre quando o limite de resistência elástica da litosfera é ultrapassado e uma falha tectónica rompe, causando o movimento súbito de um bloco rochoso em relação ao outro. Durante este processo, parte das tensões tectónicas acumuladas são libertadas sob a forma de energia. Parte desta energia é utilizada para mover os blocos, outra parte perde-se sob a forma de calor (por vezes as rochas até fundem) e uma parte significativa é libertada sob a forma de ondas sísmicas. Ora, a magnitude é precisamente a grandeza que mede a energia sísmica que é libertada durante um sismo. É por isso que esta tem um valor preciso (com um erro associado) e não varia no espaço. A magnitude está relacionada com o processo na origem, na falha, a fonte do sismo. Uma outra forma de usar o termo sismo é quando dizemos “senti um sismo”. Aqui, no fundo, o que estamos a dizer é que sentimos a passagem de ondas sísmicas radiadas por um sismo. A intensidade sísmica (também designada de macrossísmica) é precisamente a medida qualitativa do grau de movimento do solo num determinado local. Se estivermos mais perto da falha, iremos sentir uma intensidade maior. Se estivermos mais longe, em geral, iremos sentir uma intensidade menor. No entanto, há aqui umas nuances muito importantes. A intensidade é altamente dependente da atenuação das ondas sísmicas e dos efeitos de sítio. A atenuação expressa a forma como a energia sísmica vai diminuindo à medida que nos afastamos da fonte, e esta é fortemente dependente do tipo de rochas que é atravessado pelas ondas sísmicas até estas chegarem ao local onde estamos. O resultado é que as isossistas nem sempre são regulares*. Há certas direções em que as ondas sísmicas se propagam com maior facilidade do que outras. Aqui vale a pena também referir a diretividade. Não querendo ir ao detalhe, basta dizer que geralmente as ondas sísmicas se propagam numa direção preferencial que se relaciona com o modo como a rotura da falha se propaga. Por um lado, temos os efeitos de sítio. Isto é, a forma como o substrato rochoso do local onde estou responde à passagem das ondas sísmicas. Certos materiais e construções podem amplificar as vibrações e influenciar a avaliação da intensidade macrossísmica. Por outro lado, a forma das bacias sedimentares atravessadas pelas ondas sísmicas pode causar fenómenos de ressonância (ou atenuação) que podem amplificar (ou atenuar) as ondas. Ou seja, a intensidade com que um sismo é sentido pode variar significativamente de local para local. É por isso que hoje em dia já quase não se desenham mapas de isossistas. Em alternativa, marcam-se, com a mesma cor, pontos de igual intensidade. Um outro efeito conhecido (e importante) associado à vibração sísmica, é a liquefação. Isto acontece quando os solos perdem a coesão e comportam-se como um fluido, podendo levar ao afundamento e colapso das construções. Dois últimos pontos importantes: 1. Nem sempre o hipocentro (local em profundidade na falha onde se gera o sismo, também denominado foco*) é o local onde o movimento da falha é maior. O hipocentro é simplesmente o local na falha onde o movimento se inicia. No caso recente dos sismos da Turquia, a situação foi ainda mais complexa. O hipocentro localizou-se num pequeno ramo menor e lateral da falha onde ocorreu o movimento principal. 2. As fontes dos sismos não são pontuais. Um sismo resulta do movimento de uma falha tectónica, e uma falha é um objeto bidimensional com uma extensão espacial. Por exemplo, em Sumatra 2004, o segmento da falha que rompeu teve um comprimento de quase 2000 quilómetros. É também importante notar que a rotura não é instantânea, mas inicia-se num local (o hipocentro) e propaga-se no espaço ao longo de um tempo (segundos, ou mesmo minutos). E à medida que a rotura se propaga, vão sendo geradas novas ondas sísmicas. Ou seja, as ondas sísmicas não são geradas apenas na região do hipocentro. Voltarei a estas questões relacionadas com os sismos mais à frente. Para já, fico por aqui. Aconselho também, vivamente, a consulta destes materiais da Sismologia na Escola: https://idl.ciencias.ulisboa.pt/sismologia-na-escola *Atenção que o conceito de isossista aparece por vezes mal definido. As isossistas são linhas imaginárias que separam regiões de igual intensidade macrossísmica. **O epicentro é o ponto (ou local) à superfície da Terra que está exatamente por cima do hipocentro. Crédito da imagem: Shefali Lincoln via Unsplash (https://unsplash.com/pt-br/fotografias/yNFVWsQicdg)
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