Este ano editei um livro sobre a dinâmica da tectónica de placas e convecção do manto. O livro tem 24 capítulos e conta com a participação de alguns dos maiores especialistas em geodinâmica e tectónica de placas, num total de 40 autores. Quando iniciei o projeto, pedi aos autores que escrevessem artigos de perspetiva, apresentando o estado-da-arte e discutindo as fronteiras das suas subáreas de conhecimento. Desde então, várias pessoas têm-me perguntado onde podem comprar o livro na expectativa de aprender acerca das forças motrizes da tectónica de placas. No entanto, ficam surpresas quando lhes digo que não há nada explícito acerca das forças neste livro. E porquê? Quando convidei os autores e pedi-lhes para tentarem apresentar uma visão quantitativa da tectónica de placas, sugeri-lhes que discutissem as forças motrizes da tectónica de placas. A maior parte destes autores respondeu a dizer que isto já não era um tópico controverso. Será? Há cerca de 50 anos que sabemos que a principal força que faz mover as placas é o slab-pull. Isto não só foi proposto há 50 anos, como foi de facto demonstrado e testado através de observações. E desde então não houve nenhuma explicação alternativa, fundamentada em observações, que desmentisse esta hipótese. O artigo seminal que descreve (e testa) as forças motrizes da tectónica de placas foi publicado em 1975 por Donald Forsyth and Seiya Uyeda. E estes autores não foram sequer os primeiros a propor a ideia. Já Wolfgang Jacoby tinha feito os cálculos em 1970. O que Forsyth e Uyeda fizeram de novo foi testar esta idea através de observações. E o que eles concluíram foi, para uma determinada placa, há uma correlação clara entre o perímetro da placa que está a subductar, e a sua velocidade. Ou seja, as placas que sofrem mais slab-pull, estão a mover-se mais rápido. E isto vê-se muito bem! As placas não só estão a andar no sentido das zonas de subducção, como as placas que estão a subductar "mais" estão a mover-se mais rápido. Por exemplo, a placa do Pacífico, que está a subductar num parte significativa do seu perímetro, está a andar 6 a 8 vezes mais rápido do que a placa Euroasiática, que praticamente não está a subductar em lado nenhum. Mas este teste revelou algo ainda mais profundo. As correntes de convecção ascendentes têm pouco ou quase nenhum papel no movimento das placas. E aqui há duas nuances. A primeira é que as zonas de ascensão de material profundo não correspondem, em geral, às dorsais oceânicas, como tinha sido proposto por Harry Hess no início dos anos 60. A outra nuance é que uma das duas maiores zonas ascendentes está por baixo da placa africana, que está a mover-se a uma velocidade muito baixa. Se as correntes de convecção ascendentes fossem o motor da tectónica de placas, a placa africana deveria estar a andar muito mais rápido, e não está. Ou seja, a hipótese das correntes de convecção não está apenas desatualizada, contradiz as observações. Então porque é que as correntes de convecção continuam constar erradamente nos programas e nos manuais escolares como o motor da tectónica de placas? Imagino que possam haver várias explicações, mas penso que a principal é alguma confusão histórica e, eventualmente, alguma falta de compreensão física dos processos em causa. A convecção foi proposta por Arthur Holmes em 1929 como um mecanismo para explicar a Deriva Continental. No entanto, na Deriva Continental apenas os continentes se moviam. A superfície da Terra não era considerada como estando dividida em placas tectónicas, não havia fronteiras de placas e muito menos se imaginava que as placas estariam a afundar no manto. Ora, como consequência, a física dos processos da Deriva Continental é de facto muito diferente da física da Tectónica de Placas. Não se pode pegar nos elementos de uma teoria, e transportar para a outra.... Com a descoberta da tectónica de placas (no final dos anos 60 do século XX), quase imediatamente se percebeu que não eram as correntes de convecção ascendentes que faziam mover as placas (como mostra o artigo de Forsyth e Uyeda). E mais importante, pouco a pouco percebeu-se que é o próprio afundar das placas que gera a maior parte da convecção do manto. Ou seja, a convecção do manto é muito semelhantes à dos oceanos. É essencialmente impulsionadas pelo afundar do material frio e denso que arrefece à superfície. Não posso, no entanto, deixar de referir que ainda temos muitas dúvidas acerca dos detalhes da teoria dinâmica da tectónica de placas, mas hoje temos poucas dúvidas de que o slab pull contribui para cerca de 90% do movimento das placas. As restantes forças dividem-se entre o ridge-push, forças de sucção que se geram entre as placas, e o impacto local de plumas nalgumas zonas das placas. Esta hipótese é perfeitamente compatível com as observações e tem passado todos os testes desde que foi proposta há 50 anos. Mas se já sabemos isto há 50 anos, porque é que a ideia da convecção do Holmes, que tem mais de 100 anos e que foi proposta para explicar a Deriva Continental, continua a ser apresentada como o mecanismo por detrás da Tectónica de Placas? A explicação que consigo encontrar é que a Tectónica de Placas foi mesmo uma revolução e implicou uma profunda mudança de paradigma. Foi um pouco como a teoria de evolução de Darwin. Apesar de as “novas” teorias serem claras e fazerem todo o sentido, nós humanos estamos tão habituados a pensar de uma certa forma que nos custa (muito) mudar de paradigma. As revoluções científicas e mudanças de paradigma são o melhor que pode acontecer em ciência, mas têm um preço. Demoram e são difíceis de implementar, especialmente num mundo académico que tem alguma tendência para ser conservador. #geologia Forsyth and Ueyda, 1975: https://doi.org/10.1111/j.1365-246X.1975.tb00631.x Jacoby, 1970: https://doi.org/10.1029/JB075i029p05671 Fonte da Imagem: https://doi.org/10.1016/B978-0-323-90851-1.00003-0
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