JOÃO C. DUARTE
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João C. Duarte

UMA PERSPECTIVA DA TERRA 13 - TECTÓNICA DE PLACAS IV: AS FORÇAS MOTRIZES

6/9/2024

2 Comments

 
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A constatação de que o nosso planeta tem um modo muito particular de tectónica, uma tectónica de placas, implicou uma mudança de paradigma. Em menos de dez anos, entre 1961 e 1969, o que aconteceu foi uma revolução. A ideia controversa de que os continentes se moviam foi substituída por uma ideia ainda mais radical mas unificadora. A superfície do nosso planeta está fragmentada em placas que se movem umas em relação às outras. Estas placas podem ter mais de 100 quilómetros de espessura e extendem-se ao longo de milhares de quilómetros. Em conjunto, estas placas tectónicas formam a litosfera.

Cedo se percebeu que as placas tectónicas eram demasiado massivas para serem arrastadas por correntes de convecção existentes na astenosfera subjacente. Na verdade, para permitir o movimento das placas, a astenosfera tinha de ser relativamente mole e não podia ser a causa do seu movimento (ver publicação anterior).

Mas então porque é que as placas se movem? Qual a origem das forças que fazem mover as placas?

Foi logo nos primeiros artigos sobre tectónica de placas que se começou a explorar uma ideia arrojada. As placas estariam a puxar-se a si próprias!

Mas como?

Antes de responder a esta questão, precisamos de arrumar algumas ideias. Primeiro, é preciso não esquecer que as placas litosféricas e a astenosfera subjacente estão no estado sólido e fluem no estado sólido. Isto acontece porque os átomos que constituem os minerais das rochas vão migrando a velocidades da ordem de alguns centímetros por ano. Com o tempo, o efeito é semelhante ao de um líquido a fluir, mas neste caso diz-se que ocorre fluência no estado sólido, pois o material nunca perde a sua rede cristalina e a sua rigidez, ou seja, o seu estado sólido. É também muito importante não esquecer que a astenosfera não é constituído por magma. A viscosidade do manto é cerca 100000000000000000000 vezes superior à da água, 100000000000000 vezes superior à do magma e 100000000 vezes superior à do vidro. É por isso errado dizer que o manto está fundido ou que está no estado líquido. O magma apenas se gera nas zonas mais superficiais do manto, geralmente a menos de 100 km da superfície, por descompressão e/ou por adição de água. No entanto, a escalas de tempo geológicas, o manto comporta-se como um fluido viscoso (na verdade, muito viscoso) e os fluidos não conseguem transmitir tensões de forma eficiente. Como vamos ver, isso não acontece com a litosfera.

O segundo aspeto importante é que o manto da Terra apresenta um gradiente de temperatura. A Terra está mais fria à superfície e a temperatura vai aumentando à medida que nos aproximamos do núcleo. Uma parte deste calor provém do núcleo, mas uma parte significativa (cerca de 30% a 40%) tem origem no interior do próprio manto, como resultado do decaimento radioativo de elementos que o constituem. É este gradiente de temperatura que altera a densidade dos materiais rochosos, e que, combinado com a existência de um campo gravítico, providenciam a energia que gera as forças que fazem mover as placas. O material mais quente e menos denso existente na base manto tem tendência para subir, gerando plumas. O material mais frio e mais denso à superfície, as placas, tem tendência para descer nas zonas de subducção. Atenção que isto só se aplica às placas oceânicas, mas que constituem 70% da superfície do planeta. As plumas podem localmente elevar ou empurrar uma placa, mas dificilmente contribuem para o seu movimento articulado. No entanto, uma placa ao afundar no manto, devido a se manter rígida a escalas de tempo geológico, consegue propagar tensões ao longo do seu comprimento a partir do segmento que está a afundar. E é isso que na verdade acontece.

Logo no início dos anos 70 se percebeu que havia duas forças motrizes principais que contribuíam para o movimento das placas: a força de puxão da placa (slab pull, em Inglês) e a força de empurrão da placa (ridge push). Para além disso existe uma força adicional que mantém as placas juntas quando uma placa adjacente se move - esta é uma espécie de força de sucção e chama-se, por isso, força de sucção da placa (slab suction). Recentemente foi proposta uma quarta força, a força de empurrão das plumas (plume push). Destas quatro forças, a força de slab pull tem uma magnitude cerca de 10 vezes superior às outras forças. Vamos, portanto, concentrar-nos em compreender a origem desta força.

As placas oceânicas quando se formam nas zonas de alastramento oceânico estão quentes e têm uma densidade menor que o manto subjacente e, portanto, flutuam sobre a astenosfera. Chamamos a esta propriedade flutuabilidade positiva. É devido à sua flutuabilidade positiva que as zonas onde as placas são mais novas se elevam em relação aos fundos oceânicos, formando as cristas oceânicas. No entanto, à medida que as placas se afastam das cristas, vão arrefecendo progressivamente, o que causa o aumento da sua densidade (mas também da sua espessura, visto que há manto sublitosférico que vai arrefecendo, fazendo a placas ficar mais espessa). A determinado momento, cerca de 20 milhões de anos após se terem formado, as placas oceânicas tornam-se mais densas do que a astenosfera. Ganham, portanto, flutuabilidade negativa. A partir deste momento, a placa tem uma propensão para afundar no manto astenosférico. É por isso que se geram as planícies abissais. As porções mais antigas das placas estão literalmente afundadas na astenosfera. No entanto, o facto de as placas (nos oceanos do tipo Atlântico) se encontrarem ligadas aos continentes e às dorsais (ambos com flutuabilidade positiva), evita que as porções mais densas das placas mergulhem no manto. Para que uma placa afunde irreversivelmente no manto é necessário criar uma zona de subducção. Porém, para que uma zona de subducção se forme é necessário que a placa oceânica parta e se dobre. Por razões ainda não totalmente compreendidas, novas zonas de subducção acabam sempre por se gerar em qualquer oceano. Isto porque se sabe que ao longo da história recente da Terra a litosfera oceânica foi totalmente reciclada em zonas de subducção. Praticamente não existe litosfera oceânica na superfície da Terra com mais de 200 milhões de anos (não esquecer que a Terra tem uma idade de 4500 milhões de anos). Mas como funcionam as zonas de subducção? E que papel têm na geração da força de slab pull e do próprio movimento das placas?

Como vimos, as placas oceânicas têm uma propensão para afundar no manto (nas zonas de subducção) porque são mais densas que a astenosfera. E, à medida que as placas afundam, arrastam consigo as porções da placa que ainda se encontram à superfície (incluindo as porções continentais). Uma analogia é uma corrente de metal estendida ao longo de uma mesa até ao seu bordo. Se puxarmos uma ponta da corrente o suficiente para fora do bordo da mesa e a largarmos, toda a corrente seguirá. O que acontece com as placas tectónicas na superfície da Terra é um processo análogo. É o afundar das placas nas zonas de subducção que puxam consigo os segmentos de placas que ainda se encontram à superfície. Daí a origem do termo puxão de placa. Isto explica também porque é que as placas oceânicas que constituem os fundos do Oceano Pacífico se estão a deslocar a velocidades que podem ultrapassar os 10 cm/ano no sentido das zonas de subducção. Estão literalmente a ser puxadas pelas zonas de subducção. As placas que não têm porções a serem subductadas estão praticamente estagnadas. Este é o caso da placa Eurasiática, que se desloca a menos de 1 cm/ano. Ou seja (e isto é muito importante), a velocidade das placas oceânicas do Pacífico é dez vezes maior do que a velocidade da placa Euroasiática porque a força que atua nas placas do Pacífico (a força de slab pull) é dez vezes maior que no caso da placa Eurasiática (onde só atuam as forças de ridge push).

Por sua vez, o afundar das placas oceânicas no manto causa correntes de retorno internas ascendentes. Ou seja, o afundar das placas provoca o movimento interno (convecção) do manto. Na verdade, visto que as placas são essencialmente constituídas por manto, uma placa a afundar é (literalmente) manto em movimento descendente. De acordo com esta perspectiva, as placas fazem elas próprias parte da convecção do manto. As placas que afundam nas zonas de subducção correspondem às zonas descendentes frias das células de convecção. A convecção na coluna de água dos oceanos funciona de forma semelhante. As correntes verticais nos oceanos geram-se por haver uma camada mais fria e densa à superfície (geralmente junto aos polos) que afunda. Ou seja, nos oceanos há convecção sem que haja nada a aquecer por baixo. O que há é um gradiente de temperatura (e, consequentemente, de densidade) que faz com que a água mais fria e densa à superfície afunde. A este tipo de convecção dá-se o nome de convecção de cima para baixo, em oposição ao exemplo de uma panela a ferver na qual a fonte de energia se encontra na sua base (nesta caso, dá-se o nome de convecção de baixo para cima).

Na Terra, atualmente, a convecção parece ser essencialmente de cima para baixo. A principal fonte de energia está no excesso de peso da litosfera que é gerado à medida que esta arrefece. O Espaço (sideral) e a atmosfera estão muito mais frios que o manto, criando uma camada mais rígida na sua superfície - a litosfera. A litosfera oceânica é, na sua maior parte, constituída por manto arrefecido. Este manto, dito litosférico, afunda devido à gravidade arrastando consigo as placas que se encontram à superfície. A força que dá origem a este processo chama-se força de slab pull e é a principal força motriz da tectónica de placas e da convecção do manto (ver imagem).  Este é um ponto fulcral da conceção moderna e dinâmica da tectónica de placas, e é precisamente aqui que há a necessidade de mudar de paradigma no que diz respeito às forças motrizes da tectónica de placas. Na deriva continental os continentes eram arrastados pelas correntes de convecção. Na tectónica de placas, é o afundar das placas que gera as correntes de convecção do manto e o movimento das placas (as porções continentais das placas movem-se devido ao afundar das placas oceânicas no manto). A tectónica de placas é, portanto, parte integrante da convecção do manto e não apenas um dos seus efeitos.

Existe ainda um conjunto de outras forças motrizes com magnitude relevante. Como referido em cima, estas são:

- Força de empurrão da placa (ridge push). Esta força gera-se devido ao facto de nas dorsais oceânicas as placas se encontrarem mais elevadas do que nos segmentos abissais adjacentes. Isto gera um gradiente de energia potencial gravítica ao longo das placas, perpendicular à direção das dorsais (ver imagem). Este, por sua vez gera uma força gravítica no sentido das planícies abissais que faz com que as placas tendam a “deslizar” sobre a astenosfera nesse sentido. Esta força tem uma magnitude cerca dez vezes inferior à força de slab pull, podendo ser relevante em placas pertencentes a oceanos que não têm, ou têm poucas, zonas de subducção. O nome ridge push é infeliz, pois “push” significa “empurrar” e neste processo não há nada a empurrar as placas. Elas deslizam devido ao seu próprio peso, como uma bola que desce ao longo de um declive. Há mesmo quem pense, erradamente, que é o magma a ascender ao longo das dorsais que “empurra as placas”. No entanto, hoje sabe-se que o magma produzido nestas zonas é um resultado do afastamento das placas (por ascensão e descompressão da astenosfera) e não a sua causa. A força de ridge push é, portanto, uma força de deslizamento gravítico, aplicada ao longo da placa e não diretamente no seu limite.

- Força de sucção da placa (slab suction). A subducção é um processo inerentemente assimétrico em que apenas uma placa afunda sob outra com um determinado ângulo. Isto faz com que o afundar da placa no manto tenha uma componente vertical e uma componente horizontal, o que faz com que a zona de fossa geralmente de desloque horizontalmente. Quando a fossa se desloca no sentido da placa que subducta dá-se o nome de recuo da fossa (trench retreat), quando esta se desloca no sentido da placa cavalgante dá-se o nome de avanço da fossa (trench advance). Em geral, quando uma fossa recua, as placas mantêm-se coladas uma à outra, não se gerando nenhum buraco entre elas. A força que faz mover a fossa é a força de slab pull gerada na placa que subducta, mas como as placas estão acopladas, parte desta força é transmitida à placa cavalgante (a placa que fica à superfície) fazendo-a mover-se. A placa cavalgante é como que sugada no sentido da placa que subducta quando a fossa recua. A esta porção da força de slab pull que é transmitida à placa cavalgante dá-se o nome de força de sucção da placa (slab suction). É este processo que causa o movimento da placa sul-americana para Oeste apesar de esta não estar a ser puxada diretamente por nenhuma placa a afundar no manto. De facto, está a ser sugada por forças de sucção que se geram na interface das placas na zona de subducção dos Andes, no Pacífico Este. Outra força que poderá contribuir para o movimento da placa sul-americana é a força de ridge push gerada na dorsal meso-atlântica.

- Força de empurrão das plumas (plume push). Quando uma pluma chega à superfície, esta empurra a placa para cima, gerando topografia dinâmica, e para os lados radialmente. Esta força pode forçar as placas a deslocarem-se com maior velocidade nos locais onde a pluma alastra no mesmo sentido do movimento da placa, ou pode travar o movimento das placas quando a pluma alastra no sentido contrário ao do movimento da placa. No entanto, a facto de a pluma fazer elevar a placa, faz com que esta ganhe energia potencial que gera um género de força de ridge push que vai fazer com que os segmentos elevados da placa se movam no sentido das zonas menos elevadas. Esta pode ser a força motriz do rifte leste africano, que se encontra elevado devido a localizar-se sobre uma zona de ascenção de plumas.

​- Um corolário desta concepção da tectónica de placas é que o alastramento oceânico é essencialmente passivo. Ou seja, é uma consequência do movimento das placas e não a sua causa. O manto ascende nas zonas das dorsais para compensar o espaço deixado pelas placas à medida que estas afundam no manto ao longo das zonas de subducção. Esta perspetiva é corroborada por dados de GPS e dados de tomografia sísmica (falaremos disto mais à frente). A maior parte das zonas de alastramento não corresponde de facto a zonas em que o manto ascende a partir de grandes profundidades. Isto é também observável nos resultados dos modelos computacionais geodinâmicos mais avançados que temos e que simulam a tectónica de placas e a convecção do manto.

Texto adaptado de Duarte, J.C., A teoria da tectónica de placas: uma perspectiva. APPBG, 2024

Imagens adaptadas de Alistair Hamill, a quem agradeço a permissão para partilhar.

​#geologia
2 Comments
Filomeno Garcia
10/20/2024 05:20:52 am

Boa explicação

Reply
José Manuel Fernandes Moca
1/14/2025 06:52:49 am

A hipótese da Tectónica de Placas, convertida em teoria devido a aceitação, por consenso há quase 60 anos, virá brevemente a ser substituída, por uma outra que explica todas as grandes questões das Geociências e ajudará, definitivamente, a entender o planeta Terra.

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